Existe uma história subterrânea das artes, que se inicia com a consolidação da perspectiva central na Renascença e que deságua no Impressionismo e na invenção da fotografia no século XIX e seus desdobramentos no século XX, que é a história da distância. Nessa sequência de séculos a arte buscou aproximar-se cada vez mais da exterioridade, diminuindo a distância entre o objeto da representação e a imagem representada. Esse desejo de aproximação provocou a emergência de outras camadas de visibilidade. Determinados aspectos da realidade, que antes nos eram interditados – como o micro e o
macrocosmos – passaram a fazer parte do nosso acervo visual.
Mais do que novas imagens, estas imagens solicitaram de nós uma outra maneira de ver em que a medida da perspectiva se perdeu e fez emergir um novo código de interpretação, que não se adequa mais à forma usual de surpreender a imagem a partir de um ponto de vista cênico, imóvel e linear, tal como determinado pela tradição da perspectiva central. Entre o olhar que domina a profundidade do espaço e o que anula a distância, surgiu um território de dubiedades que confunde a visão e cria imagens ambivalentes.
A inteligência plástica de Dani Soter faz emergir este território como expressão poéticometafó rica da nossa condição atual. As fotografias de Dani nos confundem porque elas foram feitas para provocar nossa capacidade de percepção de adequação entre a imagem e o que ela representa. Elas buscam a ambivalência como forma de expressar a crise de identidade que vivemos. Ora somos um, ora somos uns. Ora vemos uma carta celeste, ora vemos fragmentos de corpos. Essa alternância revela um mundo em que a ideia de identidade está se desfazendo. A nostalgia da identidade é conservada pela linha vermelha que costura interligando os pontos como se quisessem revelar a direção de um sentido: uma nova constelação criada a partir de sinais dos corpos.
Há ousadia na obra que Dani Soter está construindo. Ela não teme ir ao encontro desse território movediço em que as certezas se desfazem. Ao contrário, cria uma estratégia visual, para enfatizá-lo. Aceita esse momento de passagem entre realidades que estamos vivendo e aceita o risco de não oferecer certezas que acalmariam nosso olhar e apaziguariam nossas almas.
Entre um e uns: os reais.
Marcio Doctors
Critico de arte